Gostei de ser vip - Diogo Mainardi
Para começar o ano bem, nada como colocar uma coluna do nosso amigo Diogo Mainardi. Estou em período de reflexão, assim que tiver algo de bom escrevo mais.
Abraço a todos.
"Ainda bem que eu tinha uma pulseirinha vip. Dava acesso à área vip. É singular que um espetáculo numa favela possa dispor de uma área vip. Principalmente se a estrela do espetáculo é Gilberto Gil, o ministro da Cultura de um governo eleito com a promessa de diminuir as disparidades sociais. O espetáculo foi na garagem de ônibus da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Nós, vips, fomos acomodados no pátio do Ciep, 20 metros acima da garagem, convenientemente separados dos favelados por um intransponível muro de cimento. Estávamos na favela, mas longe dos favelados, que pareciam ter sido postos ali apenas para dar uma cor local. A pulseirinha vip garantia outros privilégios. Como naquela noite caía um violento temporal, nós, vips, fomos alojados em tendas, enquanto os favelados se ensopavam na platéia ao ar livre. Para eles, o ingresso custava 5 reais. Para nós, era de graça. Em todas as circunstâncias da vida, eu gostaria de ter uma pulseirinha vip, que me assegurasse abrigo contra intempéries, distância do resto da humanidade e alguém para pagar minhas contas.
O espetáculo de Gil era beneficente. Tinha o propósito de arrecadar fundos para a Casa da Cultura da Rocinha. Considerando que só os favelados eram obrigados a pagar ingresso, Gil inaugurou um novo modelo de redistribuição de renda, em que todas as despesas recaem sobre os pobres, em benefício dos ricos. Não deu muito certo, porém. Favelados podem ser pobres, mas não são tontos. A idéia de assistir a um espetáculo de Gil, debaixo de chuva, e, ainda por cima, pagar por isso, pareceu-lhes demais. O público era tão pequeno que os organizadores do evento desistiram de cobrar ingresso, abrindo os portões para quem quisesse entrar. Mesmo assim, a platéia ficou deserta. Gil não gostou. Por punição, começou a cantar com duas horas e meia de atraso, deixando os favelados na chuva. Por melhores que fossem as intenções do novo ministro, não consigo entender a lógica de um espetáculo beneficente que arrecada infinitamente menos do que seu próprio custo. Não teria sido melhor reverter o dinheiro público diretamente para a Casa da Cultura da Rocinha, em vez de gastá-lo na montagem do espetáculo? Confirma o que eu disse recentemente: o melhor serviço que Gil pode prestar à cultura brasileira é parar de cantar. Aliás, nem sei se vale a pena financiar uma Casa da Cultura na Rocinha, com suas imagens de Iemanjás e Exus. O Brasil deveria desistir dessa bobagem de querer ter uma cultura. Ninguém ia notar a falta.
Gil cantou covers de Bob Marley. Cover, para mim, é coisa de baile de debutante. Pobre Gil. Já deu o que tinha de dar. Bob Marley, como se sabe, era um apologista da maconha. Não tenho nada contra maconheiros. Também não teria nada contra um ministro que admitisse fumar maconha. Eu legalizaria todas as drogas, inclusive as pesadas. O único aspecto meio inquietante é um ministro exaltar um maconheiro na Rocinha, o maior ponto-de-venda de drogas do Rio de Janeiro, dominado por traficantes do Comando Vermelho."
Abraço a todos.
"Ainda bem que eu tinha uma pulseirinha vip. Dava acesso à área vip. É singular que um espetáculo numa favela possa dispor de uma área vip. Principalmente se a estrela do espetáculo é Gilberto Gil, o ministro da Cultura de um governo eleito com a promessa de diminuir as disparidades sociais. O espetáculo foi na garagem de ônibus da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Nós, vips, fomos acomodados no pátio do Ciep, 20 metros acima da garagem, convenientemente separados dos favelados por um intransponível muro de cimento. Estávamos na favela, mas longe dos favelados, que pareciam ter sido postos ali apenas para dar uma cor local. A pulseirinha vip garantia outros privilégios. Como naquela noite caía um violento temporal, nós, vips, fomos alojados em tendas, enquanto os favelados se ensopavam na platéia ao ar livre. Para eles, o ingresso custava 5 reais. Para nós, era de graça. Em todas as circunstâncias da vida, eu gostaria de ter uma pulseirinha vip, que me assegurasse abrigo contra intempéries, distância do resto da humanidade e alguém para pagar minhas contas.
O espetáculo de Gil era beneficente. Tinha o propósito de arrecadar fundos para a Casa da Cultura da Rocinha. Considerando que só os favelados eram obrigados a pagar ingresso, Gil inaugurou um novo modelo de redistribuição de renda, em que todas as despesas recaem sobre os pobres, em benefício dos ricos. Não deu muito certo, porém. Favelados podem ser pobres, mas não são tontos. A idéia de assistir a um espetáculo de Gil, debaixo de chuva, e, ainda por cima, pagar por isso, pareceu-lhes demais. O público era tão pequeno que os organizadores do evento desistiram de cobrar ingresso, abrindo os portões para quem quisesse entrar. Mesmo assim, a platéia ficou deserta. Gil não gostou. Por punição, começou a cantar com duas horas e meia de atraso, deixando os favelados na chuva. Por melhores que fossem as intenções do novo ministro, não consigo entender a lógica de um espetáculo beneficente que arrecada infinitamente menos do que seu próprio custo. Não teria sido melhor reverter o dinheiro público diretamente para a Casa da Cultura da Rocinha, em vez de gastá-lo na montagem do espetáculo? Confirma o que eu disse recentemente: o melhor serviço que Gil pode prestar à cultura brasileira é parar de cantar. Aliás, nem sei se vale a pena financiar uma Casa da Cultura na Rocinha, com suas imagens de Iemanjás e Exus. O Brasil deveria desistir dessa bobagem de querer ter uma cultura. Ninguém ia notar a falta.
Gil cantou covers de Bob Marley. Cover, para mim, é coisa de baile de debutante. Pobre Gil. Já deu o que tinha de dar. Bob Marley, como se sabe, era um apologista da maconha. Não tenho nada contra maconheiros. Também não teria nada contra um ministro que admitisse fumar maconha. Eu legalizaria todas as drogas, inclusive as pesadas. O único aspecto meio inquietante é um ministro exaltar um maconheiro na Rocinha, o maior ponto-de-venda de drogas do Rio de Janeiro, dominado por traficantes do Comando Vermelho."
Diogo Mainardi
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